Texto publicado na Revista Consultor Jurídico, em12 de março de 2021, 12h07.
Por Antônio Augusto de Queiroz
A Proposta de Emenda à Constituição nº 186/2019, conhecida como PEC Emergencial, traz consequência negativas de curtíssimo, médio e longo prazos sobre os servidores públicos, em particular, e sobre a sociedade, em geral. A PEC foi concepção, de um lado, para dificultar ou impedir o Estado de expandir os gastos públicos com políticas sociais e com pessoal, e, de outro, para ampliar espaço de gastos discricionários, como investimentos e pagamento de juros e encargos da dívida, mediante o emprego de gatilhos que congelam gastos essenciais e suspendem a expansão de novas políticas púbicas com reflexos sobre as finanças públicas quando configuradas três situações: 1) na União, quando a relação entre despesa primária obrigatória e despesa primária geral alcançar 95%, e nos Estados e municípios, quando a despesa corrente atingir 95% das receitas correntes; 2) quando for aprovada a lei complementar das finanças públicas sobre sustentabilidade da dívida, que prevê novas suspensões e vedações de gastos; e, independentemente da questão fiscal, 3) quando for decretado estado de calamidade pelo Congresso Nacional.
No curtíssimo prazo, em razão da necessidade de decretação de estado de calamidade após a promulgação da PEC, como condição para excluir as despesas com o auxílio-emergencial do teto de gastos, será proposta e aprovada a decretação do estado de calamidade, momento a partir do qual — nos termos dos incisos I e II do artigo 167-A do Substitutivo à PEC 186/2019 — ficará facultado aos Estados e municípios e será obrigatório e automático para a União o congelamento de todas as despesas públicas e suspensas sua expansão, permanecendo nessa condição pelo menos enquanto durar o estado de calamidade, conforme segue:
“I – vedação da:
a) concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo;
b) criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
c) alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
d) admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas:
- as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa;
- as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;
- as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37;
- as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares; e) realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas na alínea “d”; f) criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores, empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo ;
g) criação de despesa obrigatória;
h) adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º;
i) criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções;
j) concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária;
II – suspensão de progressão e de promoção funcional em carreira de agentes públicos, quando o respectivo interstício se encerrar no exercício financeiro mencionado no caput, excetuadas aquelas que implicarem provimento de cargo ou emprego anteriormente ocupado por outro agente”.
Traduzindo, isso significa que a possibilidade de progressão e promoção — única hipótese de melhoria salarial do servidor em 2021 que não foi vedada pela Lei Complementar 173/2020 — será suspensa após a decretação do estado de calamidade. Para a sociedade, em geral, ficará proibida a criação de despesa obrigatória, o que impede a criação ou ampliação de novas políticas públicas sociais, exceto aquelas destinadas ao combate à pandemia.
É importante destacar que essa hipótese dependerá de: 1) o presidente da República requerer a decretação do estado de calamidade pública; e 2) o Congresso Nacional aprovar o decreto legislativo. Mas para viabilizar, de imediato, o pagamento do auxílio emergencial, nos termos previstos pela PEC, sem que sejam computada essa despesa para fins do teto de gastos e para fins da meta de resultado primário de 2021, até o limite de R$ 44 bilhões, e para que edite crédito extraordinário para esse pagamento, e por não estar sujeito à regra de ouro, o Executivo não precisa declarar essa calamidade. Porém, para as demais medidas de flexibilização, inclusive o afastamento da “regra de ouro”, afastamento de regras da Lei de Responsabilidade Fiscal para ampliação de despesas relacionadas à calamidade, de restrições a operações de crédito e utilização geral do superávit financeiro para custear despesas com a calamidade ou pagar a dívida pública, será necessária essa declaração, o que pode levar a que seja, de fato, aplicada. Aí, sim, se aplicará a vedação de progressões e promoções, além das demais regras de congelamento de despesas.
No curto e médio prazos, há três hipóteses em que os gatilhos de congelamento e suspensão de ampliação do gasto com servidores poderão acontecer, sendo uma delas também extensiva aos demais assalariados.
A primeira decorrerá da regra do artigo 2º do Substitutivo à PEC 186, que dá nova redação ao artigo 109 das Disposições Transitórias da Constituição Federal, segundo a qual sempre que a relação entre despesa primária obrigatória e despesa primária geral chegar a 95%, são automaticamente acionados gatilhos, por poder e órgãos, com vedações ou suspensões semelhantes às determinadas para os momentos de decretação de estado de calamidade pública.
No caso dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios o parâmetro para disparar os gatilhos é a relação entre receitas correntes e despesas correntes. Sempre que essa relação, apurada no período de 12 meses, superar 95%, é facultado aos entes subnacionais acionarem os gatilhos com vedações e suspensões de despesas, sendo ainda facultado fazê-lo total ou parcialmente quando essa relação alcançar 85%, mas nesse caso com exigência de que o Legislativo — Câmara de Vereadores ou Assembleia Legislativa — decida sobre a suspensão ou manutenção dos atos que implementaram as vedações ou suspensões no prazo máximo de 180 dias. Na hipótese de não exercer a faculdade de acionar os gatilhos no primeiro caso (relação de 95%), os governos estaduais e municipais ficarão impedidos de contratar empréstimos até que a situação volte à situação anterior.
A segunda está prevista no artigo 4º do substitutivo à PEC 186, que trata da redução de incentivos e benefícios federais de natureza tributária, e poderá atingir a todos os salariados. Esse dispositivo determina que o presidente da República, em até seis meses, encaminhará ao Congresso plano de redução gradual de incentivos e benefícios federais de natureza tributária, entre os quais se encontram as deduções no imposto de renda das despesas com saúde e educação e a isenção do imposto de renda de idosos e pessoas aposentadas por invalidez. Como essas deduções não foram expressamente ressalvadas para redução de incentivos e benefícios tributários, elas certamente irão figurar no plano de contenção, a ser enviado pelo presidente da República ao Congresso após a promulgação da PEC, para cumprir a meta de redução de renúncias fiscais dos atuais 4% para 2% do PIB em oito anos.
A terceira hipótese de contenção de gastos, inclusive com servidores, está no artigo 1º do substitutivo à PEC 186, que acrescenta o inciso VIII no artigo 163 da Constituição, para autorizar que a lei complementar sobre finanças pública inclua dispositivos relacionados à sustentabilidade da dívida, prevendo medidas de ajuste, suspensões e vedações, incluindo aquelas vedações e suspensões previstas no artigo 167-A do substitutivo da PEC Emergencial. Além disso, o artigo 167-F prevê que lei complementar poderá, inclusive, “definir outras suspensões, dispensas e afastamentos aplicáveis durante a vigência do estado de calamidade pública de âmbito nacional”, o que pode levar que ainda outras medidas de redução de despesas possam ser adotadas.
No longo prazo, as medidas de contenção fiscal — especialmente: 1) na Emenda à Constituição nº 95, do congelamento de gasto público; 2) no substitutivo da PEC 186 (PEC emergencial); 3) na PEC 32/2020, da reforma administrativa, e outras investidas sobre os servidores, os serviços públicos e as políticas públicas — trarão como consequência o aumento da miséria e da desigualdade no país, já que a proibição de ampliação da despesa com programas e políticas sociais prejudica principalmente os mais pobres e mais vulneráveis, que dependem da prestação do Estado. A depender do comportamento das finanças públicas, podemos ter períodos prolongados, ou intercalados, de congelamento salarial e vedação de ingresso de servidores, não apenas reduzindo salários, na prática, pois não haverá, sequer, a reposição de perdas inflacionárias, e o sucateamento do serviço público, que poderá ser substituído por pessoal temporário e terceirizados, que não são computados como despesas com pessoal.
Por fim, vale lembrar, especialmente em relação aos servidores, que a reforma da Previdência, instituída pela Emenda Constitucional nº 103, reservou duas maldades contra os servidores ativos, aposentados e pensionistas, que o governo pretende implementar após aprovar a PEC emergencial e a reforma administrativa. Trata-se da autorização para reduzir o limite de isenção da contribuição de aposentados e pensionistas para o regime próprio, do teto do INSS (atualmente de R$ 6.433,57) para o salário mínimo (atualmente de R$ 1.045), e da instituição de contribuição extraordinária para o regime próprio, a ser cobrada de servidores ativos, aposentados e pensionistas, com redução nos dois casos nos proventos dos aposentados e pensionista e no segundo caso dos salários dos servidores ativos.
Como se pode depreender da leitura deste artigo, a sociedade em geral, especialmente os mais pobres, será prejudicada com menos serviços públicos e menos participação no orçamento, e os servidores, escolhidos como avariável do ajuste, pagarão a conta com suspensão de reajuste salarial, com congelamento de progressão e promoção e com o aumento de contribuição para o regime própria de previdência, além do já implementado aumento de alíquotas previdenciárias. E o mais bizarro é que a equipe econômica do governo, liderado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda queria incluir um dispositivo na PEC Emergencial para permitir redução de salário com redução de jornada do servidor. Resta saber quanto tempo levará para que essa ideia nefasta seja colocada novamente na pauta do governo…